9. Uma Paixão Em Preto E Branco

Monday 9 February 2009

A razão antes do coração. Perdoe-me, mestre Ernest Hemingway. Perdoe-me por, mais uma vez, evidenciar a constatação de que não consigo (e nem quero!) seguir esse “mandamento”.

Nove de fevereiro de 2009. Hoje seria um dia como qualquer outro. Talvez, um pouco mais chato, por ser uma segunda-feira, mas não foi. Acordei cedo. Tinha de ir ver um emprego. A ansiedade me dominava. Posso dizer, sem titubear, que estava menos ansiosa pela entrevista do que por ir a uma certa loja. Há exatos um ano e um dia, eu esperava pelo que eu fui comprar nessa loja.

Por que eu comecei esse texto com uma citação que sugere que se privilegie a razão em detrimento do coração? Por que eu quero falar sobre aquela que é, talvez, a mais racional das irracionalidades sustentadas pelo coração: a paixão pelo futebol; mais especificamente, quero falar sobre Uma Paixão em Preto e Branco.

Segunda-feira que antecede o maior clássico do futebol mineiro: Atlético x Cruzeiro. É nisso que todo atleticano pensou hoje, ao se levantar, tomar seu café, sair para estudar, sair para trabalhar. Preocupações como: trânsito, prova, contas a pagar, entre outras, tornaram-se secundárias. Há apenas coração nisso? Não, há uma forte presença do fator racionalidade, porque é pela insistência dele que ninguém percebeu as aflições dos torcedores alvinegros e esses pensamentos não são ditos, ficando assim, abafados.

Desci da van. Olhei, rapidamente, em direção à loja. Senti o palpitar do coração, mas disse-lhe: “acalme-se! Preciso olhar para os lados e atravessar a rua”. Entrei na loja. Meus olhos, tal qual olhos de coruja, encontraram, rapidamente, o que eu procurava. Lá estava ele, em uma prateleira, ao lado de outros artefatos. Lá estava o livro que eu fui comprar: Uma paixão em preto e branco. Organizado por Alexandre Simões, esse livro reúne as mais famosas crônicas do jornalista, contista, romancista e cronista Roberto Drummond sobre o Clube Atlético Mineiro.

Embora fosse extremamente ético em tudo o que fizesse (destaque para sua profissão como cronista esportivo), o escritor de Hilda Furacão jamais escondeu sua paixão pelo Atlético. Assim como não o fizeram outros grandes brasileiros, tais como: Luis Fernando Verissimo, torcedor assumido do Internacional, Nelson Rodrigues e Chico Buarque, torcedores do Fluminense, entre outros.

Agora, falando mais uma vez em razão, tentem se colocarem no meu lugar, caros leitores inexistentes, e tentem falar, de forma INTEIRAMENTE racional (o que julgo impossível), sobre duas de suas grandes paixões: Literatura e futebol (mais especificamente, sobre o time do coração).

Tudo bem, eu sei que vocês não vão conseguir se colocarem em meu lugar, assim como eu não conseguiria me colocar no lugar de torcedores do Coritiba e Atlético paranaense, do Vasco e Flamengo, do Fluminense e Flamengo, do Corinthians e São Paulo, do Corinthians e Palmeiras, do Grêmio e Internacional, entre outros, em dia de clássico. Existe uma fidelidade do coração (ou apenas um excesso de orgulho) em relação a time de futebol que nos inibe de colocarmo-nos no lugar de torcedores de outros times. Para nós, o time para o qual torcemos sempre é o melhor, mesmo que não ganhe títulos; é o que tem a torcida mais emocionante, mesmo que os estádios fiquem praticamente vazios; é o que faz o melhor clássico do país... e quem diz o contrário, o faz por puro despeito...


Admito que um homem possa mudar de tudo na vida – do cigarro que fuma, do seu partido político, da sua religião. Até de amor, um homem pode mudar. Mas se alguém troca de time – o Atlético pelo Cruzeiro, o Cruzeiro pelo América – acho que é grave, que é feio, amoral até. (pg.9)

Cheguei em casa. Comecei a devorar o livro. Quando comecei a ler a crônica que Roberto Drummond havia escrito na manhã do dia 3 de setembro de 1969, dia em que ocorreria o lendário jogo entre a Seleção Brasileira, do técnico João Saldanha (que tinha Pelé, Tostão e companhia) e o Atlético, do técnico Yustrich (que tinha Dario – Dadá Maravliha- e Humberto) não consegui conter o choro.

De modo geral, a crônica apresenta um ponto de vista sobre algum fato do cotidiano; na maioria das vezes, esse fato é “pequeno”: a notícia em quem ninguém prestou atenção, o acontecimento insignificante, a cena corriqueira. O tom, como acentua Antônio Cândido, é o de “uma aparente conversa fiada”; mas que, geralmente, desperta o leitor para uma reflexão.

É uma crônica que falava sobre as aspirações de antes do jogo, mas a lucidez de Roberto Drummond era tanta que, admito, chegou a me incomodar. Ele disse até que seria interessante que os torcedores atleticanos aplaudissem a seleção (que seleção!) em alguns momentos, mesmo que, em 90% do tempo, eles estivessem empenhados em incentivar o time do Galo. Ele ressaltou, também, como tinha crescido a presença feminina nos estádios: aquela mulher mineira tradicional vai perdendo vez. É lá, no estádio, que podemos ver e sentir a evolução do poder feminino (pg. 18)

A Crônica possui uma forte ligação com a sua etimologia, pois está relacionada ao tempo. O termo crônica vem de crônico, que se origina do grego chronikós (relativo ao tempo), que, por sua vez, tem ligação com o mito de Cronos, e, de acordo com Flora Bender e Ilka Laurito “Seja um registro do passado, seja um flagrante do presente, a crônica é sempre um resgate do tempo”.

Para o torcedor atleticano, que cresceu ouvindo histórias sobre o Galo ser o único time que derrotou a seleção brasileira ( por 2x1), a crônica de Drummond, escrita no dia 4 de setembro de 1969, dia seguinte ao triunfo, ultrapassa o teor efêmero e consegue provocar as mais diversas sensações no torcedor da atualidade, o que nos remete à necessidade de contextualização das crônicas.

Ainda acerca da vitória do Atlético sobre a seleção, na crônica do dia 5 de setembro de 1969, Roberto Drummond cita o depoimento de um torcedor de outro time sobre a torcida do Atlético. Não sei se o meu estranhamento/deslumbramento é por causa de que – como eu já disse -, na atualidade, os torcedores tentam manter uma fidelidade CEGA ao seu time, a ponto de não conseguirem admitir que outro time possa ter feito uma bela partida, possa ter tido um melhor desempenho da torcida, entre outros. Mas foi lindo, foi lindo ler isso:

-Para falar a verdade – confessou-me Carlinhos Niemeyer, dono do Canal 10 -, só hoje é que acreditei no que alguns mineiros já me falavam. Sou Flamengo acima de tudo e nunca admitia que a nossa torcida perdesse para a do Atlético. Agora, eu digo: igual à do Atlético não existe no mundo, é a coisa mais bela que já vi. (pg27)

Ainda não terminei de ler o livro, e acho que nem quero apressar esse processo. Quero saborear cada crônica, tentando sentir o sabor de cada metáfora, de cada metonímia, de cada ironia. E quero mastigá-lo, ouvindo o som dos dentes se batendo na cadência do coração.

Roberto Drummond faleceu em 2002. Por isso, não pôde escrever um livro, que sempre idealizou, sobre futebol. Essa coletânea, de 167 páginas, organizada por Alexandre Simões, contendo as melhores crônicas esportivas de Drummond, “Uma paixão em Preto e Branco”, é o livro sobre futebol que ele nunca publicou. Mais do que isso, é um livro sobre aquele que fazia com que o seu coração viesse antes da razão, o Clube Atlético Mineiro. Não sei se algum dia chegarei a escrever um livro. Principalmente, um livro sobre o Atlético, que, acredito que nem preciso dizer que é a minha paixão. Talvez, eu morra antes que possa fazê-lo, mas que fique registrado aqui que eu tive a honra de ler um livro que contem belíssimas crônicas, escritas por um dos mais apaixonados torcedores atleticanos que passaram pelo solo brasileiro.

E o emprego? Consegui. Já posso comprar meu ingresso para ir ao clássico, que ocorrerá no próximo domingo, dia 15 de fevereiro de 2009.

5 comments:

Clementine said...

Sim, post gigantesco. Sim, não sei ser objetiva. Não, não tentei ser. Sim, ninguém lerá. Não, não me esqueci do texto sobre Raul Seixas. Sim, eu sei que vocês (Jimmy?) vão me matar quando eu escrever esse texto, que será enorme, sobre o Raul.Sim, não sei mais o que dizer.

Jimmy said...

Meus amores, estou viajando, não tive nem tempo de ler o texto, Cleo. Vejo vocês em breve, no mesmo msn, no mesmo horário.


bjux.

Clementine said...

"não tive nem tempo de ler o texto, Cleo."

Essa foi minha mágoa profunda. Aliás, minha mágoa profunda foi você não ter me desejado parabéns. Amigos não fazem essas coisas. Ok, minha mágoa profunda foi o Galo ter perdido o clássico. =/


Alício Pena Júnior, Juninho (frangueiro da porra!) , Tardelli e companhia LTDA, VÃO TOMAR NO CU! NO CU!

E que as moças de olhos sensíveis, que lêem este blog, possam perdoar o meu destempero.

sem mais said...

Eu li há uns dias, mas não tinha comentado antes por protesto - futebol? no MEU antro nerd? [é mais comum do que você imagina!] -, e eu nem posso realmente me relacionar com esse tipo de dedicação [a um time de futebol, ao menos].

Mas é, de fato, indubitavelmente grande. Longo... Quiçá, robusto.

Não sei mais do que falo*.

*pescou, pescou?

Clementine said...

Acho que vocês deveriam me proibir de falar sobre futebol por aqui.


Pesquei, pesquei. Sensacional. HAHAHAHA E não sei nada do que 'falo', já que, conforme suposições de um certo barbudo, sou castrada. =/