10. Intelectualoidismos Aleatórios: David Lynch

Monday 23 February 2009

(aviso educado: a seguir estão as divagações de alguém que, no tempo da escrita deste documento, conhece apenas quatro filmes da filmografia de quem fala, além de uma série de curtas. São eles “Eraserhead”, “O Homem Elefante”, “A História Real” e “Cidade dos Sonhos”. Pode haver algo precipitado aqui, mas quem liga para isso quando se é um intelectualóide. Por outro lado, isso aqui é apenas uma visão superficial, não aborda exatamente muito. Mas ora, não há realmente nenhuma restrição física me impedindo, então vamos lá.)

David Lynch é alguém que faz filmes complicados. Não, não apenas complicados. Controversos. Rubens Ewald Filho já se referiu ao Sr. Lynch mais de uma vez como um “vigarista”. Em vários sites de comentários e fóruns de internet (lugar maravilhoso, essa internet), David Lynch já foi proclamado o “cineasta dos intelectualóides” (heh), alguém que faz filmes do tipo “não entendi mas gostei”, um picareta, um vagabundo pseudo-intelectual (eu tenho uma raiva imensa desse termo, mas mais tarde escrevo alguma coisa sobre isso). Humildemente peço o direito de discordar. Aliás, de discordar inteiramente.

Os filmes de David Lynch são na verdade bem simples.

O leitor mais atento e que já tem contato com o trabalho de Lynch agora levanta a mão, “o que?”, pergunta ele. “Você por acaso já achou alguma explicação definitiva para ‘Eraserhead’? E a propósito, quem era o mendigo de ‘Cidade dos Sonhos’? E a propósito, o que...”, ele continua. E ele está certo, oras. “Eraserhead” pega a mente de quem assiste e a torce até ela desaparecer no Universo, “Cidade dos Sonhos” faz o mesmo embora um pouco mais leve. Mas espere aí, não acabei de dizer que os filmes de David Lynch são simples? Como então? Por favor alguém, traga papel, o paradoxo me fez urinar no carpete.

Pronto. Agora, de volta ao assunto: são simples, sim. A essência deles é visceral, é para ser sentida, absorvida, é como, vejamos, dar de cara com uma parede. Tome, por exemplo, “Eraserhead” – você pode não entender absolutamente nada do filme, você pode deixá-lo de lado apenas na base do “que porra é essa?”, mas você não vai conseguir deixar de se assustar até a alma com a mulher-fofão, os frangos menstruantes, a trilha sonora industrial combinada com os cenários prisão combinada com a sensação de desolação onipresente que fazem de “Eraserhead” um dos filmes mais assustadores e opressores de todos os tempos, legítimo material de fazer homens crescidos dormirem com a luz acesa. Outro exemplo é “O Homem Elefante” (que figura, junto com “A História Real”, na seção “filmes não-completamente-porralouca” da filmografia do Lynch), o equivalente cinematográfico de levar um soco de um boxeador peso pesado no rosto. Outro ainda é “Cidade dos Sonhos”, uma história, se me perdoam o spoiler, sobre um fracasso (de certo modo “Eraserhead” também é sobre um fracasso, mas eu levaria um bom tempo para divagar sobre isso, então) e com todo o jeitão de, bom, sonho. E esse é o (um dos, mas o que mais se destaca) brilhantismo dos filmes do Lynch: o jeito como eles envolvem a audiência completamente, a atmosfera perfeitamente concentrada e densa no que ela quer mostrar, se ela quer sufocar você se afoga e se cala, se ela quer relaxar seu coração está leve, por aí vai. A maior força deles é o efeito visceral que eles infligem em quem assiste, a reação “queporraéessa” sempre vem acompanhada de outra mais íntima.

Mas então, pergunta o leitor, não devo tentar interpretar os filmes do Lynch? Não devo tentar achar uma interpretação racional? Vou estar apenas perdendo meu tempo? Ora, não vejo o porquê de não fazer isso. É um exercício intelectual(óide, heh) tanto estimulante como agradável, e ajuda a entender ainda mais a reação visceral que os filmes dele deixam em quem os vê (como eu já disse, o que eu tenho escrito sobre “Eraserhead” aqui é outro texto do tamanho deste), existem vários detalhes nos filmes dele que merecem uma segunda olhada e por aí vai. Entretanto, é preciso frisar: isso não é o ponto. Não espere algo meticulosamente intelectual, espere uma experiência, espere algo que vai mexer com alguma coisa dentro de você e dançar com essa coisa e abraçá-la e estrangulá-la e chamá-la de George. É (principalmente nos curtas do diretor) uma experiência visceral (amo esta palavra), mais para ser sentida do que racionalizada. Aliás, temos um nome para o que causa esse tipo de sensação.

Arte.

5 comments:

Jimmy said...

Não entendi: qual o problema com os filmes "não entendi, mas gostei" ou em ser pseudo-intelectual, ou ainda em ser vigarista ou cineasta de intelectalóides? É maravilhoso.

Unknown said...

Você está me difamando. Em nenhum momento eu disse que tais formas de arte eram inválidas. Espere ouvir do meu advogado.


(aliás, você está fazendo errado. Era para apontar o "Humildemente peço o direito de discordar. Aliás, de discordar inteiramente." quando depois eu sigo com exatamente a razão de se gostar dos filmes do Lynch mesmo sem entendê-los. Meu Deus.)

Jimmy said...

Eu ia dizer que você foi contraditório em indicar tais coisas como defeitos e depois usar esses "defeitos" como hipotéticas qualidades, mas fiquei com medo de você ficar chateado.

Clementine said...

In Heaven
Everything is fine

In Heaven
Everything is fine

In Heaven
Everything is fine
You got your good thing
And I've got mine

In Heaven
Everything is fine

In Heaven
Everything is fine

In Heaven
Everything is fine
You got a your good thing
And you've got mine

In Heaven
Everything is fine

In Heaven
In Heaven
Everything is fine
You've got a your good thing
And you've got mine

In Heaven
Every thing is fine.

sem mais said...

Quem nunca viu filmes do David Lynch levanta a mão.

...

_o/