13. Andrei Tarkovsky - Stalker (1979)
Monday 2 March 2009
Este texto está dividido em duas partes, pois é impossível ser completo sem revelar detalhes cruciais da trama, e não me agrada o risco de ter impropérios na minha caixa de comentários, e ameaças vilipendiosas tampouco. Ao leitor, aconselho a vigilância e o rápido fechar dos olhos que provavelmente toparão com spoilers da mais variada estirpe. Boa sorte.
PRIMEIRA PARTE (NO SPOILERS)
Nesta consagrada peça vemos o russo em sua plenitude artística, com lances rápidos de câmera e de uma parcimônia quase lacônica, em termos de abordagem, o que é responsável, não excluindo os méritos do roteiro, por vários minutos consecutivos de transe hipnótica no filme e um comichão divertido no lado da cabeça. A harmonia de todos os fundamentos aqui é construída tão naturalmente que quase não há espaço para lembrar do rústico diamante-bruto Tarkovsky de O Espelho (postura que tomou propositalmente), mas em vez disso o caminho nos é entregue para um mergulho num antro de suspense psicológico e indagações filosóficas, argumentadas por três pontos de vista distintos: a arte, a lógica e a fé.
Nesta consagrada peça vemos o russo em sua plenitude artística, com lances rápidos de câmera e de uma parcimônia quase lacônica, em termos de abordagem, o que é responsável, não excluindo os méritos do roteiro, por vários minutos consecutivos de transe hipnótica no filme e um comichão divertido no lado da cabeça. A harmonia de todos os fundamentos aqui é construída tão naturalmente que quase não há espaço para lembrar do rústico diamante-bruto Tarkovsky de O Espelho (postura que tomou propositalmente), mas em vez disso o caminho nos é entregue para um mergulho num antro de suspense psicológico e indagações filosóficas, argumentadas por três pontos de vista distintos: a arte, a lógica e a fé.
Se a premissa empolga, os primeiros trinta minutos o fazem com maior intensidade, e Tarkovsky percorre o abismo do sentimento com indiferença e imparcialidade quase que compassada e nos faz perplexos minuto a minuto, primeiro pelo vislumbre das belas imagens e segundo pela enigmática trama de suspense sufocante. De fato, até as resenhas comerciais são lotadas de spoilers, e explicar o porquê seria outro, portanto, abstenho-me nesta primeira parte em descrever minha própria excitação pelo longa, que entrou logo da primeira vez que o vi para o meu hall de filmes preferidos, dividindo espaço com clássicos como 2001 e The Good, The Bad And The Ugly e é até hoje o melhor trabalho do russo, na minha nada humilde opinião.
SEGUNDA PARTE
Stalker são pessoas com habilidades extra-sensoriais, capazes de adentrar e desvendar as insidiosas armadilhas da "Zona", alcunha que limita o espaço natural palco de fênomenos sobrenaturais, e também o foco do filme. Um destes Stalker é o nosso protagonista, figura esquálida e chorosa, quase sub-humana de tão deprimida, que busca em cada olhar triste um sentido para a própria existência. Temeroso e religioso, organiza uma excursão em troca de dinheiro com duas cruciais personagens: um físico que tem seu nome de Professor e um escritor, que é convenientemente chamado Escritor. O objetivo? Um quarto no centro da Zona que supostamente realiza o desejo mais íntimo de quem o encontrar. Neste ponto, o Escritor repete despreocupadamente que "triângulo A+B+C é semelhante a triângulo A'+B'+C'", e aí temos a figura do paradigma e da equação geral que resume o filme: três vértices que representam, cada um, a arte, a lógica e a fé.
Eles entram na Zona e o show de Tarkovsky começa, alea jacta est, as três maiores vertentes da existência intelectual humana têm suas sinedóques lado a lado numa jornada onde a fé é evidentemente a privilegiada, ao passo que a lógica é ilustrada quase sempre como um regresso inútil. A arte assiste ao embate num camarote de luxo e se diverte com certo estoicismo às vicissitudes intempestivas daquele pedaço de terra sem lei natural, e nisso, o Escritor se revela no personagem mais interessante do triângulo, com seus discursos inflamados e um fino cinismo, sempre buscando questionar a tudo com engraçada antipatia.
Claro que em certo momento, arte e lógica se unem (na passagem brilhante e metafórica onde um acorda com a cabeça encostada no outro), e a fé segue seu rumo alheia às discussões intelectuais, somente preocupada em atingir o quarto (ou a terra prometida) e com as adversidades do caminho. A imagem perfeita de um religioso, que enxerga o mundo ao redor como uma mata selvagem a ser atravessada.
Os momentos geniais surgem aos montes, e quase não há tempo de ler as legendas (ah! O Russo). O Escritor ilustra, como auter-ego, o filme em si, e talvez por isso é tomado constantemente de epifanias, e também seja ele a proferir dois dos momentos mais geniais da obra. Num, tomado de raiva pela maneira com a qual o Stalker (a fé) decidira o destino da equipe, ele questiona com ferocidade: "e que direito você tem de decidir quem vive e quem morre?", uma clara referência à doutrina da predestinação; noutro, agora com cinismo, ele encaixa uma coroa de espinhos na cabeça e profere para Stalker: "não te perdôo", dispensando qualquer tipo de explicação. Em contrapartida, o Professor se revela como o elo caótico do triângulo, e é ele quem propõe a destruição dO Quarto.
E para cortar meu instinto de prolixia, volto às bodas de introdução, e repito cada vez mais firme que Stalker é, sem sombra de dúvidas, um dos grandes filmes da minha vida, pois obra tão lotada de significados vi poucas vezes.
Stalker são pessoas com habilidades extra-sensoriais, capazes de adentrar e desvendar as insidiosas armadilhas da "Zona", alcunha que limita o espaço natural palco de fênomenos sobrenaturais, e também o foco do filme. Um destes Stalker é o nosso protagonista, figura esquálida e chorosa, quase sub-humana de tão deprimida, que busca em cada olhar triste um sentido para a própria existência. Temeroso e religioso, organiza uma excursão em troca de dinheiro com duas cruciais personagens: um físico que tem seu nome de Professor e um escritor, que é convenientemente chamado Escritor. O objetivo? Um quarto no centro da Zona que supostamente realiza o desejo mais íntimo de quem o encontrar. Neste ponto, o Escritor repete despreocupadamente que "triângulo A+B+C é semelhante a triângulo A'+B'+C'", e aí temos a figura do paradigma e da equação geral que resume o filme: três vértices que representam, cada um, a arte, a lógica e a fé.
Eles entram na Zona e o show de Tarkovsky começa, alea jacta est, as três maiores vertentes da existência intelectual humana têm suas sinedóques lado a lado numa jornada onde a fé é evidentemente a privilegiada, ao passo que a lógica é ilustrada quase sempre como um regresso inútil. A arte assiste ao embate num camarote de luxo e se diverte com certo estoicismo às vicissitudes intempestivas daquele pedaço de terra sem lei natural, e nisso, o Escritor se revela no personagem mais interessante do triângulo, com seus discursos inflamados e um fino cinismo, sempre buscando questionar a tudo com engraçada antipatia.
Claro que em certo momento, arte e lógica se unem (na passagem brilhante e metafórica onde um acorda com a cabeça encostada no outro), e a fé segue seu rumo alheia às discussões intelectuais, somente preocupada em atingir o quarto (ou a terra prometida) e com as adversidades do caminho. A imagem perfeita de um religioso, que enxerga o mundo ao redor como uma mata selvagem a ser atravessada.
Os momentos geniais surgem aos montes, e quase não há tempo de ler as legendas (ah! O Russo). O Escritor ilustra, como auter-ego, o filme em si, e talvez por isso é tomado constantemente de epifanias, e também seja ele a proferir dois dos momentos mais geniais da obra. Num, tomado de raiva pela maneira com a qual o Stalker (a fé) decidira o destino da equipe, ele questiona com ferocidade: "e que direito você tem de decidir quem vive e quem morre?", uma clara referência à doutrina da predestinação; noutro, agora com cinismo, ele encaixa uma coroa de espinhos na cabeça e profere para Stalker: "não te perdôo", dispensando qualquer tipo de explicação. Em contrapartida, o Professor se revela como o elo caótico do triângulo, e é ele quem propõe a destruição dO Quarto.
E para cortar meu instinto de prolixia, volto às bodas de introdução, e repito cada vez mais firme que Stalker é, sem sombra de dúvidas, um dos grandes filmes da minha vida, pois obra tão lotada de significados vi poucas vezes.
7 comments:
.Lindo
Stalker é dos filmes de análise mais fácil de todos os tempo, visto que a maior parte dele é explicada no último ato pós-Zona; ao mesmo tempo, é importante ressaltar que qualquer crítica/resenha/comentário que omita o valor-WTF da última cena em termos de top 10 momentos-WTF não tem valor algum.
PS: WTF a última cena.
PSS: Obraprima
PSSS: Belo texto; eu nunca tinha triangulado a análise, deu vontade de rever.
Triangulado em que sentido? No paradigma de arte, lógica e fé? E o momento mais disparadamente brilhante é o "não te perdôo", pára.
Lindo filme, bela resenha...mas tendo o filme a fé como tema em pauta, fica tudo muito subjetivo, contudo, sua análise foi a melhor que eu olhei por aí...meus parabéns!
Que atriz fantástica é aquela que fez a esposa do Stalker. PQP.
Ao observador, aquele que conduz, mas, ao mesmo tempo tão incerto e tão humano. Aquela paisagem mórbida e fria a sua esperança o seu lugar, ao seu lado os incrédulos? Parece que sim, à lógica e à arte caminhando juntas porém separadas enquanto a fé os conduziam rumo a zona, o refugio dá desolação humana, fuga para à zona dos males do mundo, dá corrupção e angustia dos seres, ali é o seu recanto silencioso conhece cada grama, cada arvore, cada dejeto, cada gota,cada alicerce destruído, cada ruído. Os céticos o acompanham eles querem enxergar com os olhos da fé, à arte julga a situação pelo viés da dramatização da comédia e tragédia, a lógica sempre tentando por ela ser um instrumento de quebra de misticismo e detentora da razão frente aquela peculiar realidade.
Stalker, realmente me impressionou pela sutileza que os dilemas humanos são ali encarados por aqueles três personagens ao modo como toda a trama se desenrola uma catarse psicológica de anseios da vida humana.
Stalke é bom, mas o que é o filme On The Silver Globe do Zulawski. Uma obra-prima de ficção-científica e metafísica sobre o primitivismo humano. É um filme arrebatador com planos-seqüências e interpretações alucinantes. Um clássico sob efeito de LSD como adjetivaram.
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