14. Andrei Tarkovsky - Andrei Rublev (1966)

Thursday 5 March 2009

"Escrever é preciso", aqui sofrendo pequena mutação, das letras para os quadros (e dos quadros para as telas), onde Tarkovsky implode seu mar introspectivo e hermético de sensações, assumindo neste longa, o segundo de sua carreira, a ousada postura de adaptar-se ao argumento, mais do que o reverso poderia valer. Seu tom quase omisso vai de encontro ao aspecto cru da película, e é somado por uma Rússia empoeirada (às vezes, nebulosa) dos tempos medievais e castigados pelas "trevas". E não poderia ser diferente, já que estamos a falar de um filme biográfico, sério, preto e branco, e que evoca as desgraças da guerra com intimidade maior do que versa sobre o próprio protagonista.

Claro que Tarkovsky não se omite o suficiente para que nos deixe esquecê-lo durante a projeção, pois a fita é marcada pelo arrojo da violência semi-explícita e nudez(esta por completo), além de questões religiosas e filosóficas, como já era de se esperar do russo. É evidente que o ritmo se encontra deveras frustrante, e a história adquire por vezes qualquer coisa de monotonia, mas o jeito do mestre revolver o ambiente e o clima, num diálogo onde somos os interlocutores, absorve a intempérie do espírito, e mantém a casa em ordem.

Tarkovsky também cai na faceta de tornar Andrei Rublev, talvez o mais importante pintor russo da História, num mero coadjuvante de sua própria vida, onde os fatores que circundam a Rússia arcaica mostram-se com muito mais imponência, malgrado a personalidade interessante e cativante deste. O que claro, não pode nem deve ser considerado um erro, mas uma abordagem curiosa por parte do russo, que sempre vê as coisas por outro ângulo.

A película se arrasta com belos planos e momentos sinceros, e o russo mais uma vez imprime a maestria pela qual foi consagrado, sempre perscrutador do material com que trabalha, e a usar bem tudo que lhe é direito. A belíssima cena inicial é um dos destaques, além do interno psicológico da vida monástica, que concebe Rublev como uma figura introspectiva, estoicista e bucólica.

Estoicista, introspectiva e bucólica, sim, tal como é a narrativa do filme, e tal como ele termina. A tomada do sino dá um baque surdo numa linha arrefecida à prostração, numa demonstração de roubar o fôlego, e o encerramento mostra um Tarkovsky então profissional, mas, claro, sem nunca perder a criatividade (pois há bem mais nela do que aparentam seus dez minutos de duração). Não temos aqui, como incitam os puristas, a melhor obra de Tarkovsky, mas um grande momento da carreira do russo, que deixa saudades de um tempo em que o cinema era bem mais do que é.

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