12. Andrei Tarkovsky - O Rolo Compressor e o Violinista (1960)

Sunday 1 March 2009



Neste média-metragem de quarenta e tantos minutos vemos o nascimento do mestre, e os traços então promissores de um formando e seus 28 anos de vida, porquanto trata-se de uma obra honestíssima que arrecadou ao seu realizador a nota máxima na faculdade de cinema - isso mesmo, este foi o seu tcc(ou o equivalente russo) - e a premiação da categoria Estudande de Cinema, em NY.


Surpreendentemente, o filme imprime uma maturidade inegável por parte do jovem Tarkovsky, que conduz a peça de maneira em que todas as tomadas e passagens possuam um teor poético implícito(não forçado), e dá lugar a minúcias paradigmáticas que caminham e encontram um significado adjacente ao enredo da obra, sem jamais comprometer a integridade (ou o fascínio) da mesma.

Sasha é um garotinho aprendiz de violino que atravessa quadras inteiras todas as manhãs para ter suas aulas de música, além de ser constantemente perseguido por pivetes arruaceiros e vândalos. Num desses episódios, somos apresentados ao motorista de rolo compressor, Sergey, que salva Sasha da pivetada e inaugura uma bizarra relação paradoxal entre uma criança de 7 anos e um operário esquálido, de poucos risos.

Neste ponto, a imagem de pária que Tarkovsky possui do artista é evidente, mas o que impressiona é a desenvoltura que o russo tem ao criar em Sasha uma criança deprimida pela superproteção da mãe, acostumado a fugir de seus algozes, até conformado, e em Sergey, um ranzinza irremedíavel que vê no pobre garoto uma imagem, talvez, de si. Claro, toda essa interpretação é apenas um vôo cedido pela parcimônica abordagem da fita com relação às personagens, e está tão próxima da verdade quanto qualquer outra.

É fácil notar que Sasha e Sergey têm muito mais em comum do que aparentam. Enquanto Sasha trabalha com a clave de sol, Sergey utiliza seu rolo compressor barulhento para sentar pixe, e ambos lidam com fatores adversos parecidíssimos. No caso de Sasha, sua paixão precoce por uma também aluna de violino (e que plano maravilhoso, o da maçã), e sua professora, que representa o obstáculo da vida tentando lhe podar a criatividade com artifícios sofistas. Já com Sergey, ambas as imagens são inclusas na mesma personagem, que lhe ridiculariza ante os outros operários e, ainda assim, nutre secretamente uma paixão pelo rapaz.

Dois mundo se alcançando: a arte e a brutalidade. Uma criança sensível e um brutamontes ranzinza. E o que Tarkovsky faz? Encurta as diferenças até elas não existirem mais, e coloca ambos, homem e criança, numa só estória, num só dia. E então você percebe que as diferenças nunca existiram.

O filme acontece e você não se dá conta de todos os detalhes, muito menos do tempo passando, mas existe um gostoso sentimento de saber que ali se tem uma obra muito acima da média, que versa sobre diversos aspectos do cotidiano (não é difícil se encontrar na pele de Sasha/Sergey) e da vida em geral, sempre com uma boa pitada de humor poético e visual estimulante.

Como, por exemplo, no momento em que Sasha decide tocar a canção que vinha ensaiando nas aulas para Sergey, e o resultado é que você tem a impressão de ter esperado o filme inteiro para isso acontecer - e não é decepcionado pela sinfonia que mescla violino e barulhos de goteiras. Ou quando Sasha atira um avião de papel pela janela, numa tentativa desesperada de contactar seu amigo. Ou mesmo quando Sasha toma partido e ajuda um garoto contra outro trombadinha. Enfim. Os créditos sobem, o filme termina, e um mito do cinema universal começa.

7 comments:

Clementine said...

Hm. Atualizando todo dia... interessante.

Sim, fiquem felizes, porque, hoje, não farei um comentário gigantesco.

Jimmy said...

Não vai me dizer que lhe chateamos, Cleo querida?

Clementine said...

Falando desse modo, você parece estar suger... afirmando que eu sou EMO, meu caro Jimmy. Amigos não fazem essas coisas.

Vejo que talvez não tenha sido uma boa idéia ocultar o motivo-a-razão-a-causa-a-circunstância, que me impediu de fazer um comentário gigantesco, uma vez que me parece que um mal entendido instaurou-se nesse ambiente.

Diante disso, com o intuito de promover o bom convívio entre os membros do ISA, dissertarei, brevemente, sobre o porquê de ter feito um comentário sintético: estou no trabalho, e, hoje, terça-feira, é o dia da semana em que há o maior fluxo de movimento por aqui.

Por isso, meu acesso à internet é bem limitado. Só estou postando no ISA, neste momento, porque é a minha hora de almoço. (Sim, só consegui sair para almoçar, agora).

Certa de poder contar com a compreensão dos senhores, antecipo meus agradecimentos.

Jimmy said...

Deixe de patranhas e confesse o seu sentimentalismo inflamado.

Clementine said...

Não vou contradizer o juramento que fiz -Eu, consciente de minhas responsabilidades, prometo contribuir para o desenvolvimento humano e social do país, respeitando e cumprindo as normas e princípios éticos que norteiam o exercício da minha profissão. Pela minha honra, pelo meu país, eu juro! - e apropriar-me das palavras para dizer uma inverdade, como o senhor quer que eu faça.

Cidadão ³ said...

Acho que é essencial notar que estamos falando - vendo, enfim, e ouvindo - da União Soviética e, por mais que Tarkovski tenha tido lá suas querelazinhas com o comunismo, a visão do artista - e a visão que o operário tem do artista - está em profunda ressonância com o que se esperava de um daqueles, enfim. Isto é: o artista é um trabalhador, a música possui uma função social (ainda que não se mencione a função política proposta por Maiakovski em sua Poética) e o instrumento é um meio de produção - respeitado, no fim das contas, pelos pivetes. Não é, portanto, um pária ipsis literis.

Discordo, também, que a poesia do filme seja sempre "implícita (não forçada)"; as poças d'água têm força, mas já é - e já era, afinal, o filme vem bem depois de Regen - um signo forte demais, explícito demais.

Por fim, acho que faltou uma menção em sua resenha ao lindo diálogo sobre cigarros.

Cidadão ³ said...

Também digna de nota, aliás, é a citação a Vertov, só que fundamentada "diegeticamente": a multiplicação de olhares/lugares/tempos quando Sasha observa os espelhos quebrados.