15. Andrei Tarkovsky - Nostalghia (1983)

Friday 6 March 2009

Estranho como são as quimeras da vida. Numa hora você está em casa e cuida de seus afazeres bebendo um gole de café que sua mulher fez enquanto ralha contra alguma travessura de seu filho mais velho, n'outro é transportado para um mar salgado de solidão, enclausurado pelas traves do seu próprio cérebro e amarrado às correntes pelo peso da saudade. As verdades se mesclam em turbilhas e as cores do presente brilham menos que o p&b das reminiscências, e de repente não há mais nada a fazer; a loucura é o caminho mais amigo e os sintomas são eminentes. 

Nessa odisséia de valores, Tarkovsky dirige o que os mais curiosos vão considerar a "tradução poética" dos quatro elementos (fogo, ar, água, terra), e dessa vez as características dele estão muito presentes, motivo que tavez tenha lhe rendido o troféu de Cannes como melhor diretor. 

Trocando o Russo pelo Italiano (o filme foi gravado durante o exílio de Tarkovsky na Itália), o longa constrói um verossímil argumento de loucura, e amarra aos nós os embates introspectivos de Gortchakov, um poeta que visita o país acompanhado de sua belíssima intérprete, Eugenia, para escrever a biografia de um músico erudito. Durante sua estadia, Gortchakov conhece Domenico, um homem marcado pela própria ilucidez, e famoso por ter, em certa ocasião, trancafiado sua família por sete anos num celeiro. A partir daí, vemos Eugenia seduzir Gortchakov que, absorto pelas lembranças de sua família italiana, vê-se encantado não pela bambina, mas pela triste história do pobre louco.

É verdade que o ritmo arrastado desagrada, e as metáforas são despejadas numa velocidade initeligível, contribuindo para um filme, à primeira vista, preguiçoso e sem força. Errado. O que temos é uma obra de arte de extrema complexidade, e um Tarkovsky inspiradíssimo e virtuoso, talvez mais ainda do que se poderia esperar. A seqüência de diálogos é hipnotizante, os momentos dramáticos são lotados de significados e, principalmente, a elegância da câmera trespassando as personagens, guiando a conversa e os diálogos, brincando com espelhos num show erudito de talento, nos exibe um Tarkovsky virtuosi, imponente e brilhante. E é nele que consiste a alma da obra.

O final é marcado pela ambiguidade, pois se nas lembranças de Gortchakov temos revelações aterradoras, sua imagem ao lado do cachorro numa paisagem russa logo se revela, na realidade, uma mera ilusão nostálgica, dentro de uma ruína italiana.

1 comments:

Jimmy said...

Pronto, consegui o que queria! Uma página inteira só com posts meus. TOTALITARISMO YAY!