25. Estudo de Caso; Abril (2009)

Thursday 30 April 2009

"Há algo de podre no reino da Dinamarca"

Proponho aqui uma única situação dividida em três partes, seguida por três perguntas [das quais espero resposta, mesmo já apresentando dentro do próprio texto uma opinião] que norteiam, situacionalmente, Um: A Qualidade de uma Proposta Artística Dois: O Sentimento em relação a um aspecto Moral-Pessoal da Arte e Três: A Validade do Posicionamento do Personagem. É mister salientar que esse texto encontra-se no limbo entre realidade e ficção, com partes num e partes noutro, mas seria justo dizer mais. Mas quem liga para justiça, certo?


A proposta:

Embasamento teórico: Hiper-Realismo, Takashi Miike e Suehiro Maruo.

A priori, seria preferível ter o roteiro na íntegra, mas as coisas não acontecem como se espera. Isso posto, um resumo memorial:

Dois personagens se engajam em aventuras sexuais diversas, que envolvem diversos tipos de mutilação e coisas nojentas [i.e. - comer uma barata, enrolar o pênis em arame farpado, enfiar uma seringa pela uretra, arrancar um olho*] em cenário reminiscente de Silent Hill. Num filme que se propõe a aprox. 7 minutos. Em torno de 3 diálogos.

*Passagem que termina com uma quebra da quarta parede.

Salienta-se: os diálogos não definem a relação dos personagens de um ponto de vista emocional. O projeto dá por suposto, na justificativa, que há amor ali, mas que o sexo para eles se tornou desinteressante.

O que nos leva a primeira pergunta, mesmo que precariamente fundamentada: Qual o valor artístico da proposta [sem palavras, em escala de 0 à 100]?


O aspecto sentimental:

Como o projeto veio à luz: Entram em contato com uma menina, propondo a ela o trabalho como atriz principal [coisas que envolvem a participação: aparecer nua, atuação de sexo e receber sexo oral (posto: levantar a saia e se sentar sobre o rosto do personagem masculino)]. Estabelecendo o fetiche, a frase ipsis litteris: "O diretor te via andando pelo campus e comentou, em diversas ocasiões, como eras perfeita para o papel". Salienta-se, novamente, que neste ponto não havia ainda um roteiro, nem mesmo explicação sobre a natureza do roteiro [considere-me vil aao diantar as informações, mas sou filho de advogado].

O porém: a atriz tem um namorado.

Ambos lêem o roteiro juntos, e ele se posiciona da seguinte maneira: "A escolha é sua". Embasamento teórico: ver: Locke ("Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo. O trabalho do seu corpo e a obra das suas mãos, pode dizer-se, são propriamente dele."). É o que de último se fala sobre o projeto.

Pulo aqui um drama que, suponho, tenha se originado - da omissão da menina sobre a aceitação em realizar a película sem dizer ao namorado, por exemplo, propondo estar implícita sua aceitação -, para definir o papel remissivo do namorado tanto em posicionamento quanto em aceitação: a crença de que a menina é menina-adulta dona do próprio corpo e das próprias faculdades intelectuais, que levaria em consideração que o papel de se omitir a dar uma opinião é para permitir que ela realize o seu desejo, porém seja madura o bastante para arcar com as possíveis conseqüências. I. e.: espera-se consideração com os sentimentos do namorado, obviamente oposto a vê-la nessa situação, considerando Um que ele não nutre respeito algum pela proposta do filme, Dois pela característica, aspas re-reforçadas, "profissional" do filme, que se constitui como um trabalho de conclusão de curso sem maiores seriedades de mercado e Três omito o terceiro motivo pelo caráter público do texto e por ser, mesmo que justo, possivelmente ofensivo.

O que esperava o namorado, e não tenho intenções de construir o personagem além do nome, é simples. Havia fé [quiçá nem fé, mas assim costuma-se chamar] de que a namorada privasse, por consideração, o desejo de realizar o filme [especificamente pela natureza do curta], num ato de fé que colocasse os interesses mais íntimos não revelados do namorado na luz da questão. Perceba que a aceitação - ressaltando o dito-não-dito da omissão da namorada em dizer ao namorado desse acontecimento - é, por si só, a laceração de uma ligação suposta entre ambos além-palavra [amor incondicional?].

Pergunto logo, para seguir ao que de mais interessante há na questão como todo [afirmo, porém, que em off, isso é, esclarecendo que ele permanece aquém da influência na decisão dela, ele disse, mais de vezes, que não gostaria que ela fizesse o filme]: Estaria ele tão absolutamente errado em esperar algo assim?

Agora, posto o namorado como alguém de [cada vez mais reclusas, por vingança] aspirações artísticas [escreveu ele, incluse, no momento em que por conta própria descobriu da participação dela por meios adversos: "E eu havia de te dizer, muito antes de que eu me esquecesse, que algo me incomoda, senão há muito, tão de profundo que há muito tempo parece ser. É simples, minha cara, que entre a arte e o dinheiro, é bastantemente claro que um preço é estabelecido. Somos todos grandes prostitutos, eu sei - escrevo pelos outros, veja só, e se há talento nas minhas linhas, por mais tortas qu'elas sejam, não seria minha a necessidade de dá-las algum valor? -, fazendo do nosso belo o belo de quem suprir-nos o bolso, o ego, a alma... mas se arriscar, em particular, a tua carne, ou fazer dela estandarte dos devaneio de outrem que não eu, seja por dinheiro ou por capricho [não porque lhe ocorreu de fazê-lo, como traição] - não que eu seja mais merecedor, ou meu amor moeda de troca mais justa, se me permitem os românticos desabar das pétalas das rosas para a navalha de seus espinhos -, chegamos a um ponto onde seria, ipsis litteris, o teu nome, mais um no rol de sinônimos das meretrizes."], não há de se considerar que é, ainda que de qualidade precária [giro e volto e vejo tanta transgressão na proposta quanto em jogos mortais; proponho ainda que, sexo enquanto transgressão, há de se considerar sempre primeiro de olhos bem fechados que, em miniresenha, é sobre o aspecto emocinal de ser traído e se sentir traído e considerar a característica naturalmente visceral do sexo como cego a todo tipo de parâmetros civilizados, o que, vejo claro (mas talvez errado) faz a peça em questão ainda menos "transgressora" e ainda mais redundante], uma obra artística onde a validade pode ser, por si só, a experiência estética?

Já fui por demais longo, encerro aqui. Espero resposta.

PS: Versão não corrigida.

6 comments:

Jimmy said...

Eu vejo onde quiseste chegar, e confirmo que o fizeste bem. Enfim, os personagens é que falam do texto em si, e o contrário quase não acontece. As três perguntas se convergem num sentido uno e indivisível, e tu já as respondeste bem.

Em breve, comentários prolixos sobre a simbologia que possui um casal de namorados para o cérebro do autor.

sem mais said...

"Enfim, os personagens é que falam do texto em si, e o contrário quase não acontece."

É proposital - e eu até ressalto isso aqui: "não tenho intenções de construir o personagem além do nome" -, como uma forma de tentar [não que eu seja, ou que seja possível overall] ser o mais imparcial possível. Visto que, mesmo tratando-se de ficção [talvez eu force, mas vejo isso como literário, fazendo do não-estilo um estilo] eu só poderia falar com autoridade externa sobre o temores internos de um deles.

No mais, tenho ainda interesse de tecer uma crítica - aqui nos comentários - mais bem desenvolvida do roteiro em questão, visto que quando eu redigia o texto eu, por costume talvez, permeei a descrição com ironias muito minhas. [Ex.: a frase original era "*Passagem que termina com uma totalmente aleatória e não-intencionalmente hilária quebra da quarta parede.].

Enfim.

Cidadão ³ said...

Não-estilo de cu é rola. Isso de "fazer do não-estilo um estilo" é idiota e imbecil.

sem mais said...

Certo. Não preocupação com estilo, ok?

Cidadão ³ said...

se você se preocupou em escrever despreocupado, me parece claro que [...]

sem mais said...

Eu já saquei, ok. Digamos que se fez arte por não se preocupar com arte, posto a honestidade como característica desta; o estilo como algo intrínseco; etc etc etc.São palavras de momento, esquece.

A preocupação, porém, é com desvirtuar o foco daquilo que realmente me interessa na coisa toda.